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O que é uma pandemia?
Vírus: os inimigos de sempre
Pandemias ao longo da história
Para refletir
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O que é uma pandemia?
Pandemias ao longo da história
Ao longo da História, a humanidade enfrentou diversas pandemias, de origens e causas diversas. Todas provocaram, além de perda expressiva de vidas, perdas econômicas e mudanças de comportamento social. Mas mostraram também a importância da ciência, do saneamento e da prevenção.

Veja aqui as pandemias mais expressivas:

Pandemias ao longo da história
Peste bubônica

Febre, calafrios, dores de cabeça insuportáveis, fadiga e dores musculares. Conhece esses sintomas? Aqui, do começo de 2020, eles nos fazem pensar no assunto que domina e assola o planeta: o novo coronavírus, conhecido como COVID-19. As autoridades médicas e a ciência recomendam o isolamento social e os protocolos de higienização como principais armas para frear a disseminação do contágio e não estrangular a capacidade dos sistemas de saúde nacionais, que já têm sacrificado enormemente um sem número de enfermeiros e médicos.

Mas os sintomas descritos e as medidas de isolamento nos levam também a outra pandemia: a disseminação da Peste Bubônica pela Europa e pela Ásia, no século XIV.

A peste bubônica tem suas origens na grande fome ocorrida na Baixa Idade Média, num cenário de crise do sistema feudal. Entre os séculos X e XIII a Europa verificou um acentuado crescimento demográfico, mais que dobrando sua população (de 22 a mais de 50 milhões de pessoas). Isso levou à diminuição das áreas férteis e, consequentemente, menor produção de alimentos, espalhando a fome por toda a Europa. Mal alimentadas, enfraquecidas e vivendo em condições extremamente insalubres, as pessoas mais pobres ficaram vulneráveis a doenças contagiosas. A mais grave delas era transmitida pelo bacilo Pasteurella Pestis, por duas formas: bubônica e pulmonar. Ou seja, pela picada de pulgas de ratos ou pela tosse e gotículas expelidas pela fala. O contágio se espalhou com rapidez e intensidade em 1347 com a chegada de um navio genovês a Constantinopla. De lá, a doença rapidamente se espalhou por toda a costa do Mediterrâneo e, até 1350, aproximadamente 1/3 da população da Europa havia morrido, totalizando aproximadamente 200 milhões de pessoas mortas pela peste.

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A circulação de pessoas e mercadorias tornara-se mais intensa entre os séculos XI e XIII por conta do renascimento comercial e urbano (rotas comerciais expandindo, feiras mercantis) e, nessa nova configuração social e econômica a disseminação da peste foi ampliada enormemente, o que explica boa parte da crise do sistema feudal, nos séculos XIV e XV.

A Europa Medieval estava mergulhada em crendices, superstições e fanatismos religiosos, num período anterior à grande revolução científica (entre os séculos XVI e XVIII), por meio da qual predominou na Europa uma mentalidade muito mais racional e que possibilitou o avanço da medicina e da ciência em geral. O desconhecimento da peste permitiu que sua disseminação fosse extremamente danosa.

Muitos apontam, diante da necessidade de isolamento, os problemas de se aprofundar um quadro de recessão econômica que existia antes da pandemia. Lembrando que são diferentes o isolamento social (ação preventiva e crucial para frear a exposição ao contágio) e a quarentena (medida destinada aos já infectados). Durante a Idade Média, o principal aliado da disseminação da peste era a desinformação, que expôs a vida de milhões de pessoas à doença. Daqui do século XXI podemos buscar e checar informações e apostar nas chances de preservar a vida. E inclusive, para quem possa ficar em casa, cada dia é uma oportunidade de aprender coisas novas, estimular a curiosidade para novos conhecimentos – porque isso nos torna ainda mais humanos. E não precisamos de outra Idade Média, não é verdade? Fique em segurança, em casa, lave as mãos e cuide dos seus.



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Gripe russa

Surgiu em 1889 na então Rússia, na cidade de Bukhara, no atual Uzbequistão e se estendeu até 1890. Nesse período dizimou quase um milhão e meio de pessoas, depois de se alastrar pela Europa, Ásia, África e América. Teria chegado ao Brasil, no porto e Salvador, e m um navio vindo da Alemanha e se espalhou pelo país, onde sua vítima mais famosa foi o imperador D.Pedro II.

O Brasil enfrentava nessa época sérios problemas de saúde pública, sem uma estrutura sanitária definida para controle das enfermidades. O país convivia com as chamadas doenças tropicais: cólera, peste, febre amarela, febre tifoide, varíola, tuberculose, doenças venéreas ,malária, doença de Chagas, ancilostomose e a gripe russa encontrou espaço para se disseminar.



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Gripe Espanhola

Também conhecida como gripe de 1918, a gripe espanhola, causada pelo vírus influenza, assolou o mundo entre 1918 e 1920. Estima-se que 40% da população do planeta foi contaminada e que morreram cerca de 100 milhões de pessoas!

Como a Espanha foi o primeiro país a declarar a existência da doença, a gripe tomou esse nome, mas dizem que ela começou nos Estados Unidos. Por estarem enfrentando a Primeira Guerra Mundial, os americanos censuraram a existência da doença por questões de segurança, e para não esmorecer o ânimo de seus soldados. Aqui no Brasil o presidente eleito Rodrigues Alves morreu antes de tomar posse, vitimado pela gripe.

Ela vitimou especialmente adultos jovens e acredita-se a desnutrição, falta de higiene e os acampamentos médicos e hospitais superlotados, ao final da 1ª Guerra Mundial, promoveram uma superinfecção bacteriana, responsável pela alta mortalidade



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Gripe asiática

Uma pandemia que assolou o mundo entre 1957-1958, causando a morte de quase 2 milhões de pessoas. Tem esse nome porque se originou no norte da China, de onde avançou para o resto da Ásia, Oceania, África, Europa e Américas.

É importante não confundir com a gripe de Hong Kong, que se disseminou entre 1968-1969 e causou até 3 milhões de mortos, principalmente em Hong Kong, onde teve origem, e nos Estados Unidos. O mundo já caminhava para a globalização e o vírus se alastrou muito rapidamente.



Para refletir
Pandemias e bodes expiatórios

Ao longo de sua história, a humanidade conheceu algumas pandemias, cujas memórias são de sofrimento e desespero: a peste bubônica aterrorizou a Europa no séc. XIV; o extermínio da conquista espanhola, no séc. XVI, foi ainda mais letal por conta da varíola, fatal para os povos nativos do continente americano; a cólera, espalhada pela insalubridade do séc. XIX; no século XX tivemos o HIV-1 (vírus causador da AIDS), e a chamada gripe espanhola; no séc. XXI a gripe suína e, dez anos depois, a COVID-19, sobre a qual se lê nas redes sociais como "gripe chinesa".

Mas teriam nacionalidade os microscópicos vírus? A gripe espanhola recebeu esse nome porque foi causada por um vírus "espanhol"? Faz algum sentido chamar a COVID-19 de gripe chinesa? Não, e como sabemos disso? Só tem um jeito: entender não apenas sobre a origem das doenças, mas sobre a origem dos discursos sobre a doença durante uma pandemia. Um exemplo: durante cada uma das pandemias que falamos houve uma narrativa, algum discurso que circulava na mídia, no boca a boca.

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Peste bubônica: foi dito que a culpa era das bruxas e dos judeus

Os judeus, por exemplo, foram colocados como bodes expiatórios durante a fase mais aguda da peste bubônica na Europa, entre 1348 e 1351. Na cidade germânica de Erfurt, por exemplo, acredita-se ter havido uma onda de violência contra os judeus, o que levou muitos deles a enterrarem seu patrimônio.

Na Idade Média, as mulheres dissidentes do credo religioso dominante, o Catolicismo, eram consideradas "bruxas". No entendimento da Igreja Católica, era preciso combater dissidências, consideradas ameaças ao seu domínio e poder. Sem a pandemia, hereges e bruxas eram denunciados e julgados. Com a pandemia foram perseguidos e linchados, acusados de serem culpados pelos males que assolavam a sociedade. No entendimento dos fanáticos, se havia peste bubônica era porque havia heresia e bruxaria. O tempo e a ciência provariam que os judeus e as bruxas não estavam por trás da letalidade da peste bubônica. As causas eram outras, como as condições insalubres das cidades medievais, terrenos férteis para a proliferação de ratos parasitados por pulgas que portavam a bactéria Yersinia Pestis, causadora da doença, a intensa atividade, marcada pelas novas rotas comerciais, que propiciavam amplos deslocamentos de pessoas e mercadorias, da Península Itálica à China

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Ou seja, culpar e atacar "bruxas" ou populações judias pela Peste Bubônica foi um ataque às parcelas minoritárias de cidades e estados.

Isso é algo que ficou conhecido como bode expiatório. A origem da expressão nos leva até o Levítico, o terceiro livro do Antigo Testamento, onde está escrito: "E Aarão fará chegar o novilho da expiação, que será por ele, e fará expiação por si e pela sua casa; e degolará o novilho da sua expiação" (Lev, 16:11). Aarão, identificado nas escrituras como irmão de Moisés, recebe instruções de Deus para que sacrifique dois bodes: um deveria ter o sangue derramado e o outro enviado para o deserto. Na ordem que recebe Aarão está presente a lógica da expiação (que significa purificar, redimir, reparar): os pecados humanos purificados pelo sacrifício ,ainda que animal. No judaísmo o dia da expiação corresponde ao Yom Kippur, o dia do perdão, em que o sacrifício a Deus é simbolizado pelo jejum.

Gripe espanhola, vírus chinês: a nacionalidade é visível ao microscópio?

Gripe espanhola. Alguém por acaso olhou pelo microscópio e viu o vírus H1N1 defendendo a União Ibérica, enaltecendo a Armada Invencível ou orgulhoso do sucesso de La Casa de Papel? Como atribuir nacionalidade a um vírus?

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O vírus causador da chamada gripe espanhola era próprio de aves mas fez uma mutação e infectou seres humanos. Os primeiros casos datam de março de 1918 e foram notificados numa base militar estadunidense, Fort Riley, nos limites entre Junction City e Manhattan, cidades do estado do Kansas, nos Estados Unidos. Vivia-se a I Guerra Mundial desde meados de 1914. Em 1917 os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha e, no ano seguinte, entre janeiro e agosto de 1918, os norte-americanos enviaram cerca de 2 milhões de homens para combater na Europa. Esse pode ter sido um dos pontos cruciais para a difusão do vírus influenza no continente europeu.

Então por que gripe espanhola?

A Espanha entrou no século XX ainda tentando se recuperar pela derrota na Guerra de 1898 para os Estados Unidos, a Guerra Hispano-Americana, na qual perdera territórios como Filipinas e Cuba. Quando estourou a I Guerra, os espanhóis passavam por um momento econômico difícil e se mantiveram neutros ao longo do conflito.

Aproveitando essa condição de neutralidade, a imprensa espanhola enviou muitos correspondentes para noticiar os acontecimentos da guerra, entre os quais a disseminação de uma brutal gripe entre as tropas dos países da Tríplice Entente (França, Inglaterra, Rússia, Estados Unidos) e da Tríplice Aliança (Impérios Alemão, Austro-Húngaro e Otomano). Amplamente noticiada pela imprensa espanhola, a gripe acabou ganhando nacionalidade: gripe espanhola.

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No Brasil, a H1N1 de 1918 chegou junto com o navio inglês Demerara, que saíra de Londres para Lisboa e, de lá, aportou em Recife, Salvador e Rio de Janeiro. As primeiras notícias sobre a gripe no Brasil foram recebidas de forma diversa: medo, negação e aparecimento de bodes expiatórios. Os efeitos da gripe foram minimizados. Foi dito que não iria se espalhar por conta do nosso clima tropical, oposto ao frio europeu; chamaram a gripe de "limpa-velho", acreditando-se que sua letalidade se restringiria às pessoas de idade avançada, não afetando adultos e jovens.

Em outubro de 1918, os serviços de saúde já operavam no máximo de sua capacidade no Brasil. A letalidade foi altíssima e houve também disseminação de panaceias que teriam o poder de curar a gripe: mel com limão e cachaça (assim nascia um drinque popular, a caipirinha), sal de quinino e ingestão excessiva de aspirinas, o que só fazia aumentar o pânico entre a população – diante de números crescentes de contágios e óbitos. O presidente eleito em março, Rodrigues Alves (que havia governado em 1902-06), muito doente, não conseguiu ser empossado em novembro, tomando posse seu vice, Delfim Moreira, até que novas eleições fossem convocadas. Atribui-se a morte de Rodrigues Alves à gripe H1N1. O primeiro bode expiatório da gripe espanhola no Brasil foi a Bahia: como o navio Demerara tinha chegado à capital vindo de Salvador, o governo federal ordenou o fechamento do porto da capital baiana, considerado um "porto sujo".

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Bom, parece que daqui de onde estamos, duas décadas adentro do séc. XXI, em meio a uma pandemia, a procura irracional por bodes expiatórios continua intensa:



O tuíte acima, publicado em 16 de março de 2020 pelo presidente dos EUA, Donald Trump, diz: "Os Estados Unidos apoiarão energicamente empresas como companhias aéreas e outras que estão sendo particularmente afetadas pelo vírus chinês. Ficaremos mais fortes do que nunca!".

Vírus chinês, isso mesmo, foi o que disse o presidente. Vamos tentar entender melhor.

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A pandemia que o mundo vive atualmente, de COVID-19 (Corona Virus Disease 2019), é causada pelo vírus SARS-CoV-2 (coronavírus da síndrome respíratória aguda grave 2), que fez suas primeiras infecções na cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019. De início, um surto de pneumonia acometeu funcionários e frequentadores de um mercado atacadista , mas o contágio se espalhou rápido pela China, e em 20 de janeiro o governo chinês reconheceu se tratar de uma situação descontrolada. No dia 22 a OMS - Organização Mundial da Saúde foi a público dizer que o surto descontrolado na China merecia atenção de todo o planeta. Era um alerta. A doença se espalhou com rapidez pela Europa e pelo continente americano em seguida, deixando um rastro de mortes e sistemas de saúde em crise.

O aparecimento de bodes expiatórios tem forte caráter político. A ressurreição de um clima político parecido com o dos tempos da Guerra Fria, de caça às bruxas e paranoias ideológicas fez com que as redes sociais recebessem uma enxurrada de notícias falsas com relação ao novo coronavírus. Uma delas trazia um texto atribuído a Tasuku Honjo, médico japonês, prêmio Nobel de medicina, dizendo que o novo coronavírus fora criado intencionalmente num laboratório chinês e afirmando que o imunologista sabia disso porque trabalhara num laboratório de Wuhan, na China. Na verdade, Honjo só trabalhou nos Estados Unidos e no Japão, onde é professor universitário. A circulação da fake news atribuída a Honjo foi tamanha que a Universidade de Kyoto emitiu uma nota em nome do professor esclarecendo se tratar de uma notícia falsa.


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Um importante jornal acadêmico de pesquisa médica, o Nature Medicine, publicou um artigo científico em que afirma: nossas análises claramente mostram que o SARS-CoV-2 não é um produto de laboratório ou um vírus manipulado propositalmente. O artigo, em inglês, pode ser acessado por qualquer pessoa por meio do site da Nature Medicine.

Donald Trump tentará sua reeleição em 2020. Polarizar e criar inimigos lhe pareceu uma estratégia política conveniente, ainda que lastimável. Porque o que esperamos, como cidadãos, em meio a uma das mais graves crises sanitárias da história, é a valorização da ciência, da medicina, da educação e da imprensa que checa fatos e informa comprometida com a verdade. Minimizar os efeitos e a propagação da COVID-19, negá-la, trará consequências ainda mais devastadoras.

Desde março de 2020, crendices e senso comum já atribuíram a cura do vírus à hidroxicloroquina (remédio para o tratamento de lúpus, sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus), à água tônica com quinino e até ao alho, supostamente por sua alta concentração de enxofre. Rejeitar a ciência, descuidar das normas médicas, nesse momento, equivale a pisotear a dor de dezenas de milhares falecidos só no Brasil por COVID-19, além de contribuir para que o descuido generalizado com a doença fortaleça ainda mais a letalidade do novo coronavírus.

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Enfermeiros, entregadores, motoristas de ônibus, trabalhadores do comércio de itens essenciais, funcionários de serviços públicos de limpeza, jornalistas, estão na linha de frente para que consigamos preservar, ao máximo, a vida. A nossa e a dos demais, a vida do outro, da outra. Podemos ajudar nessa luta. Rejeitando bodes expiatórios, checando fatos, estudando sobre fatos da política e atualidades, cuidando da higienização pessoal, de manter o distanciamento social e o isolamento ao máximo que se possa.

Um "bode expiatório" carrega em sua construção preconceitos de origem, condição social ou cor. É um estigma social que carrega a ideia de que, em meio a uma situação de adversidade generalizada, o sacrifício (expiação) de uma pequena parte (o bode do relato bíblico) se revelaria capaz de salvar o todo. Não precisamos de bodes. Precisamos de ciência e educação.

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